segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

CONTENSÃO


Caderno de Direção #10


Este final de semana visitei a cidade de Raposa, no Maranhão. Lá é o nosso campo de pesquisa para montagem de “A vida por um fio” com o XAMA teatro. Procurava histórias, lendas, personagens pitorescos e as origens da cidade... Fui “atrás de conversa” e encontrei. Os mais velhos me contaram inúmeras lendas e relatos que tinham a renda e o mar como pano de fundo, todavia, quando perguntava, enfim:
- E os mais jovens, se interessam por isso?
A resposta era negativa.
Toda aquela memória estava condenada ao esquecimento, pois tais narrativas, mesmo se registradas por um bom escritor, perdem a essência quando deixam de ser contadas. O “contar”, o gesto do “contar”, vem perdendo sua importância para construção de uma identidade local. Deste verbo, a TV, infelizmente, tomou de conta. Os jovens não se interessam mais por estas simples histórias, porque elas, dolorosamente, não têm tiro, bandido, efeitos especiais, sangue ou explosão - a fórmula mágica do cinema americano.
É claro que nenhuma narrativa oral poderá competir com os efeitos das grandes telas. Mas a questão em si não é a tecnologia, a fidelidade da imagem ou os recursos utilizados: é o olhar que se projeta sobre determinado fato e a propriedade sobre ele. Podemos vê-lo como expectador, mas podemos ter uma dimensão mais profunda quando o vivemos e o tocamos com nossas palavras. Quando contamos algo e quando ouvimos alguém contar, podemos, a qualquer momento, intervir, questionar ou até emendar outra versão.  Trata-se do relato que, à medida que se expande, demanda de nossa visão de mundo e transforma quem ouve e quem fala.
A televisão troca o ‘contar’ pelo ‘mostrar’. A fluidez da comunicação cessa diante deste bloqueio. A tela é, querendo ou não, uma espécie de parede.  
Cais da Raposa
Olhando para o cais, vejo o mar dominar a terra. As contensões se desfizeram. A água invade. A maré, quando enche, é agressiva. A onda que bate na pedra e se estilhaça parece uma garra que vai arranhando liquidamente o solo, permanecendo nesse movimento por horas e horas até avançar e quebrar o concreto. A mídia possui a mesma dinâmica desta maré revolta. Um grande mar que toma a praia aos poucos. Que vai comendo pouco a pouco nossas histórias para nos empurrar as suas. Quando nos damos conta, estamos ilhados. Boiando ao lado dos destroços de nossas próprias identidades. Neste processo, sem poder colocar os pés no chão, somos arrastados pelas águas e não somos mais donos dos nossos próprios passos.   

Contemos, portanto, meus senhores, minhas senhoras, contemos para conter!

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